O agrupamento de escuteiros a que se refere o texto são os Escuteiros Marítimos de Belém, que recusaram a entrada de uma menina com T21 por alegadas questões de segurança.
Einstein não seria admitido no Zoomarine
Gostava de começar por dizer que sou a pessoa menos sindicalista do mundo. Agradeço devotamente a todos os que lutam pelos direitos comuns (dos quais acabo por ser usufrutuária), mas simplesmente não é do meu feitio hastear bandeiras e manifestar-me em público.
No entanto, esta semana tomei conhecimento de uma situação que me deixou boquiaberta e, tendo o grito assim à boca da urna, não consigo evitar deixá-lo sair.
A APPT21 (Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21) recebeu, através da sua congénere irlandesa, uma carta onde uma mãe de uma criança de 14 anos se queixa de que a sua filha, durante as férias de família no Algarve em Agosto passado, não foi autorizada a nadar com os golfinhos porque a funcionária de serviço achou que ela se enquadrava na categoria “deficiências mentais severas (como por exemplo autismo)”.
Ora consta que a rapariga é boa nadadora e aluna do ensino regular irlandês, pelo que me resta concluir que, apenas por ter um fenótipo diferente (para os leigos “cara de mongolóide”), foi considerada menos apta e constituinte de maior risco do que uma criança de seis anos (idade mínima para participar nas “Dolphins Emotions”).
À carta desta mãe, o Zoomarine respondeu que a política de admissão nesta actividade do parque visa assegurar a segurança, e apenas a segurança, quer dos participantes, quer dos próprios golfinhos.
É a segunda vez, nos últimos meses que dou por mim a pensar “este senhor não percebeu nada e o pior é que nem percebeu que não percebeu”.
Da primeira, tratava-se da admissão de uma miúda de 8 anos num agrupamento de escuteiros católicos. Apesar de ter lá os irmãos, a admissão foi recusada alegando que não podiam garantir a segurança da criança.
Não me lembro se antes de ter uma filha com Trissomia 21 sabia o suficiente sobre o assunto para me poder ter saído pela boca fora um disparate deste género. Mas agora sei e sinto-me na obrigação de explicar porque é que estes senhores “não perceberam nada e nem perceberam que não perceberam”.
Uma criança com Trissomia 21 não está em maior risco em nenhuma actividade do que qualquer outra criança um pouco mais nova do que ela, nem representa maior perigo para ninguém.
Uma criança com T21 não tem “perturbação mental”, tem “atraso intelectual”, e isto não é um jogo semântico nem uma manipulação de termos.
Um agrupamento de escuteiros só pode dizer que não tem capacidade para garantir a segurança de uma criança de 8 anos com T21 se também não tiver hipótese de o fazer para uma criança normal de 6 anos.
O Zoomarine vetar a entrada a uma miúda de 14 anos, boa nadadora, apenas porque tem T21 é tão ridículo como seria recusar a participação de um miúdo que usa óculos porque “podia não ver bem o animal”.
Resta-me esclarecer, para quem não o saiba, que consta que Einstein era Asperger (uma perturbação do espectro do austismo). Pergunto-me se a senhora de serviço do Zoomarine teria a lata de não o deixar entrar se lhe apetecesse mandar umas braçadas com a bicharada.
Crónica de Francisca Prieto
in "Tralhas da Vida", Facebook
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