quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Desfazendo mitos para minimizar o preconceito sobre a sexualidade de pessoas com deficiência - Parte 1

in Blog Deficiente Ciente

RESUMO
Este texto aborda a presença de idéias preconceituosas sobre a sexualidade de pessoas com deficiência discorrendo, de modo critico e reflexivo, sobre diversos mitos, tais como:
(1) pessoas com deficiência são assexuadas: não têm sentimentos, pensamentos e necessidades sexuais;
(2) pessoas com deficiência são hiperssexuadas: seus desejos são incontroláveis e exacerbados; (3) pessoas com deficiência são pouco atraentes,indesejáveis e incapazes para manter um relacionamento amoroso e sexual;
(4) pessoas com deficiência não conseguem usufruir o sexo normal e têm disfunções sexuais relacionadas ao desejo, à excitação e ao orgasmo;
(5) a reprodução para pessoas com deficiência é sempre problemática porque são pessoas estéreis, geram filho scom deficiência ou não têm condições de cuidar deles. A crença nesses mitos revela um modo preconceituoso de compreender a sexualidade de pessoas com deficiência como sendo desviante a partir de padrões definidores de normalidade e isso se torna um obstáculo para a vida afetiva e sexual plena daqueles que são estigmatizados pela deficiência. Esclarecer esses mitos é um modo de superar a discriminação social e sexual que prejudica os ideais de uma sociedade inclusiva.

INTRODUÇÃO
A sexualidade ampla, independentemente de se ter ou não uma deficiência, existe e se manifesta em todo ser humano. O erotismo, o desejo, a construção de gênero, os sentimentos de amor, as relações afetivas e sexuais, são expressões potencialmente existentes em toda pessoa, também naqueles que têm deficiências (DANIELS, 1981; ANDERSON, 2000; MAIA, 2001; BLACKBURN, 2002;KAUFMAN, SILVERBERG, ODETTE, 2003; COUWENHOVEN, 2007; SCHWIER;HINGSBURGER, 2007).

As expressões da sexualidade são múltiplas e variadas tanto para deficientes como para não-deficientes. Em qualquer caso não é possível determinar se a vida sexual e afetiva será satisfatória ou não e é importante lembrar que em diferentes momentos da vida, dificuldades e facilidades vão ocorrer em maior ou menor grau para todos. Entre as pessoas com deficiências o mesmo acontece e seria injusto generalizar, rotular e estigmatizar quem é a pessoa com deficiência -seus potenciais e seus limites - em função de rótulos, sem considerar o contexto social, econômico, educacional em que o sujeito se desenvolve e sem considerar adversidade entre as pessoas com deficiências. As pesquisas, portanto, sobre sexualidade e deficiências têm divulgado que não é possível afirmar a priori as dificuldades que elas terão ou não no campo sexual (DANIELS, 1981; WOLF;ZARFAS, 1982; SALIMENE, 1995; PINEL, 1999; BAER, 2003; KAUFMAN,SILVERBERG, ODETTE, 2003; GIAMI, 2004; MAIA, 2006; COUWENHOVEN, 2007;SCHWIER; HINGSBURGER, 2007). Apesar dessas constatações, o que prevalece nos discursos de leigos, familiares e da comunidade é a generalização de idéias preconceituosas a respeito da sexualidade de pessoas com deficiência como se essa fosse sempre atípica ou infeliz. Essas idéias são baseadas em estereótipos sobre o deficiente mantidos por crenças errôneas que o colocam como alguém incapaz e limitado.As políticas públicas mundiais têm lutado pelos direitos de acesso à educação, à saúde, e à vida social daqueles com deficiência, mas pouco se tem feito ou divulgado no sentido de incentivar a inserção afetiva e sexual dessas pessoas.Evidentemente que há, atualmente, um avanço considerado de pesquisas, nacionaise internacionais, sobre a sexualidade e diferentes deficiências, cognitivas, sensoriaise ou físicas, relacionadas à própria construção das subjetividades individuais dessas pessoas em diferentes momentos da vida. No entanto, nesse texto, procura-se tratar da temática de modo abrangente tendo como pano de fundo a construção socialda sexualidade e da deficiência, priorizando não a especificidade da deficiência, mas o fato de ela, em qualquer manifestação, se tornar algo deveras estigmatizante.

SEXUALIDADE, DEFICIÊNCIAS E OS PADRÕES DE NORMALIDADE SOCIAL
O conceito de sexualidade foi usado no século XIX para se referir a saberes sexuais decorrentes dos estudos sobre os significados das práticas sexuais que foram construídas culturalmente (CHAUI, 1985; FOUCAULT, 1988; MOTTIER, 2008). É um conceito amplo que envolve a manifestação do desejo e sua representação no estabelecimento de relações que envolvem o afeto, a comunicação,a gratificação libidinosa e vínculo afetivo entre as pessoas e cuja expressão dependede influências culturais, da sociedade e da família, por meio de ideologias e crenças morais, envolvendo ainda questões religiosas, políticas etc. (DANIELS, 1981;CHAUÍ, 1985; RIBEIRO, 1990; ANDERSON, 2000; BLACKBURN, 2002;COUWENHOVEN, 2007).

A sexualidade humana refere-se aos sentimentos, atitudes e percepções relacionadas à vida sexual e afetiva das pessoas; implica a expressão de valores,emoções, afeto, gênero e também práticas sexuais e é essencialmente histórica e social.Como um conjunto de concepções culturais, a sexualidade extrapola o conceito de genitalidade, pois abrange também as práticas sociais, os costumes diversos e as ideologias relacionadas a essas práticas (CHAUÍ, 1985; RIBEIRO, 1990; ANDERSON,2000; BLACKBURN, 2002; SCHWIER; HINGSBURGER, 2007).

Só é possível compreender o desenvolvimento das pessoas e a construção da sua sexualidade individual tomando-se por base a construção da sexualidade ampla, culturalmente determinada e que culmina no modo como percebe-se, julga-se e orienta-se o desenvolvimento das práticas sexuais das pessoas(FOUCAULT, 1988). Isso significa ainda considerar as concepções repressivas que durante anos determinaram as práticas sexuais diversas e o modo como se configuram o masculino, feminino, o desejo, a resposta sexual, as funções do sexo,o enamoramento, etc.

A partir de regras nem sempre explícitas e claras, estabelecidas pela sociedade em diferentes culturas, as pessoas aprendem o que seria o desejável em relação à maneira que devem se comportar socialmente. Isso também ocorre em relação à sexualidade humana o que, além de colocar certas atitudes, sentimentos e ações no campo da normalidade em contraste com outros comportamentos considerados não-normais, ainda vinculam essa normalidade à promessa de felicidade idealizada (COSTA, 1998; MAIA, 2009a).

Os padrões para a sexualidade normal e feliz que não podem ser pensados separadamente do contexto social, econômico e cultural e se revelam em diferentes meios: na televisão, nas propagandas, nas telenovelas, nas narrativas,na literatura, nos jornais, nos discursos, na música, dentre outros. Nesse sentido,conceitos subjacentes à sexualidade, como beleza, estética, desempenho físico,função sexual, gênero, saúde, são também construídos socialmente e podem diferirem função da cultura e das condições em que esses fenômenos se revelam (COSTA,1998; STOLLER, 1998; MAIA, 2009a). Essas concepções aparecem como regras que,segundo Chauí (1985) e Foucault (1988) direcionam o que não devemos e o que devemos fazer em relação aos comportamentos e sentimentos sexuais e, por isso,se tornam repressivas e normativas.

Do mesmo modo como a sexualidade, a deficiência é um fenômenosocialmente construído na medida em que o julgamento sobre a diferença (162MAIA, A.C.B.; RIBEIRO, P.R.M.Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v.16, n.2, p.159-176, Mai.-Ago., 2010.) impregnada ao corpo do deficiente dependerá do momento histórico e cultural e,em geral, a avaliação social que se tem da deficiência é a de que ela explicita um corpo não funcional e imperfeito e daí impõe ao sujeito uma desvantagem social (AMARAL, 1995, TOMASINI, 1998; EDWARDS, 1997; OMOTE, 1999; AMOR PAN,2003; MAIA, 2006; SIEBERS, 2008). Apesar dos avanços, a partir do paradigma da inclusão social, as concepções de deficiência e diferença são também socioculturaise ainda se configuram como marcas de descrédito social.

A desvantagem social atribuída aos estigmatizados pela deficiência configura-se num grande obstáculo à vida em sociedade (AMARAL, 1995). Silva(2006) comenta que ao se estigmatizar a pessoa pela sua deficiência, corre-se o risco de estabelecer um relacionamento com o rótulo e não com o indivíduo e isso levaria a uma idealização do que seria a vida particular de pessoas com deficiência:a vida dos cegos, dos surdos, dos cadeirantes, etc., é explicada em função dadeficiência, o que seria um modo simplista de compreender a questão. O próprio sujeito estigmatizado incorpora determinadas representações e se identifica com essas tipificações.

Além disso, ser deficiente quer dizer que se é categorizado como tal em função de conceitos de normalidade social que são históricos. Os padrões que representam a normalidade social não são apenas relacionados à capacidade produtiva e funcional (BIANCHETTI, 1998; TOMASINI, 1998; OMOTE, 2004), mas também aos relacionamentos afetivos e sexuais.

*Doutora em Educação. Departamento de Psicologia. Faculdade de Ciências. Unesp, Bauru.bortolozzimaia@uol.com.br; aclaudia@fc.unesp.br
** Livre-Docente em Sexologia e Educação Sexual. Departamento de Psicologia da Educação. Faculdade de Ciências e Letras. Unesp, campus de Araraquara. Rodovia Araraquara - Jaú Km. 01. Araraquara (SP).paulorennes@fclar.unesp

Fonte: Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v.16, n.2, p.159-176, Mai.-Ago., 2010

Leia o artigo na íntegra
http://74.125.155.132/scholar?q=cache:GSYqf6R2zOEJ:scholar.google.com/+a+pessoa+com+deficiencia+e+o+erotismo&hl=pt-BR&as_sdt=2000 (Veja na íntegra)

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