Entrevista
A médica especialista Fátima Azevedo, mestre e doutoranda em Genética pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) explica que, como os demais jovens, os adolescentes com a Síndrome de Down gostam de conversar e fazer amigos. Gostam de dançar, namorar, beijar. Sonham como qualquer ser humano´. Para a médica, eis, portanto, o importante papel da família em orientá-los sobre a sexualidade.Em instituições que recebem portadores de Down, é visível a grande afetividade dos alunos.
A necessidade de amar e ser amado é mais acentuada entre eles?
Ser afetivo é uma coisa e ter uma necessidade de afeto maior é outra. Os indivíduos com síndrome de Down realmente, na sua maioria, são muito sociáveis. O que acontece, às vezes, é que em muitos casos a vida social deles fica um pouco restrita. Ou devido a situação financeira da família, ou devido ao preconceito. Quando se encontram na escola, eles se abraçam, abraçam os professores. É na escola que está a maior parte do seu mundo. O seu maior convívio social. Adolescentes com síndrome de Down são como os demais. Gostam de conversar e fazer amigos. Gostam de dançar, namorar, beijar. Sonham como qualquer ser humano. O que acontece com eles é que são mais verdadeiros. Quando sentem, expressam logo os sentimentos que muitas vezes escondemos, ocultamos.
Sob o ponto de vista da genética ou orgânico, há entre eles maior desenvolvimento de hormônio relacionado ao desejo, à libido?
Cientificamente falando, não tenho conhecimento que a libido de portadores de Down seja maior que a das outras pessoas. O que deve ocorrer é o acabei de comentar. Eles são mais autênticos. As famílias no momento adequado devem, junto a profissionais, trabalhar a questão da sexualidade e os cuidados em relação à prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. São de fundamental importância a educação e a orientação do adolescente Down e de suas famílias em relação ao assunto.
Que dificuldades mais comuns eles enfrentam para a manifestação da sexualidade?
A falta de parceiros, a falta de orientação familiar, o preconceito de muitas famílias que rejeitam o fato do seu filho ou filha com Down namore um outro portador da síndrome.
Como pais e educadores podem orientá-los no que se refere à contracepção?
Cada caso é um caso. Os métodos contraceptivos que são ótimos para uma pessoa podem não ser para outra. As famílias devem ter um médico de sua confiança a quem possam solicitar orientação. Atualmente, os pais estão bastante atentos para essa necessidade de orientação.No ambulatório do Hospital Walter Cantídio, que experiências mais significativas podem ser relatadas.
Há caso de gravidez entre pacientes com Down?
Um de meus pacientes começou a namorar uma coleguinha da escola que freqüentava e a mãe da garota proibiu o namoro. O garoto não conseguia mais estudar e passou a ficar triste e deprimido. Já um outro caso, os pais tinham condições e proporcionavam encontros para o filho adolescente. Numa outra ocasião, um de meus pacientes levou a namorada para me apresentar. O garoto tinha Down e a namorada era aluna da mesma instituição, mas não tinha Down. Em todos esses casos, as famílias sempre estiveram presentes apoiando e cuidando de seus filhos. É raro gravidez em portadores de Down, porém pode acontecer. Por isso e muitas outras razões, a educação sobre as questões da sexualidade são muito importantes.
(...)
Como a família e a sociedade devem lidar com o portador, levando-o a desenvolver suas potencialidades?
O profissional de saúde precisa se capacitar para aprender a lidar com o paciente portador da síndrome, seja ele criança, adolescente ou adulto, e para aprender a lidar com a família. Uma família bem orientada é o primeiro passo para uma história de sucesso no desenvolvimento de uma criança com Down. É importantíssima a maneira como a notícia é dada aos pais e as primeiras orientações. Pais bem orientados e com profissional competente e humano, consegue lidar melhor com as dificuldades que, eventualmente, surjam no aprendizado de uma criança que precise de cuidados especiais. Estimulação interdisciplinar é fundamental desde as primeiras semanas de vida. A família deve amar, estimular, assumir essa criança como alguém que tem mais o que ensinar do que aprender. Ela deve entender que as crianças com a síndrome tem velocidade e forma de aprender diferente das demais. Entender que cada uma é única e com habilidades diferentes das outras.
Como a sociedade pode agir para reduzir as dificuldades de crianças com Down?
A sociedade deve acordar e se educar para acolher toda e qualquer criança, adolescente ou adulto com algum tipo de síndrome ou necessidade especial, ou diferença, seja lá que nome for. Preconceito é sinônimo de desinformação. Preconceito é sinônimo de falta de educação. Uma sociedade que acolhe bem o cidadão é uma sociedade que propicia o desenvolvimento de cada um e de todos. Se cada um exercer uma postura pessoal de aceitação das diferenças, naturalmente leva essa postura para sua família, seu trabalho, para sua comunidade, para os projetos de leis, para os fóruns, enfim para os que com ele convivem etc. Então a sociedade só pode ajudar a criança com Down a desenvolver suas potencialidades se realmente se conscientizar que a qualidade de vida de um povo é em grande parte dependente das leis que regem a saúde e a educação. Infelizmente ainda, somos uma sociedade muito mal educada. Sem respeito por quase nada. Sem respeito pelo ser humano, ainda, sem respeito pela vida.
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