texto de Carmo Teixeira
“Não é por ser bonito
que gostamos dele,
também não é por ser inteligente,
é porque é nosso filho”
(Rabindranath Tagore)
Gostava de lhes falar de uma coisa muito bonita que tenho na minha vida – mas que foge bastante às normas... neste mundo onde parece ser um drama termos uns quilinhos a mais, uma borbulha no nariz, ou um carro em segunda mão, onde todos os meninos fazem birras para terem o último modelo da PlayStation, e os pais desesperam se eles não são os melhores da turma correndo para os psicólogos, o meu filho de 11 anos trabalha há um ano para aprender coisas tão difíceis como atar os sapatos, ou perceber que quando se pergunta as horas não são sempre “dez para as sete” .
Também tem um feeling especial que o faz sentir quando os outros estão tristes, dar uns beijinhos fantásticos, e o seu sonho é ser campino... sabe o que quer da vida, talvez melhor do que muitos de nós .
Foi há 11 anos, mas lembro-me como se fosse agora. Era o nosso primeiro filho. Estávamos radiantes, tínhamos sonhado e imaginado tudo de bom para essa família que íamos constituir.
O bebé nasceu: o médico no corredor do hospital chamou o meu marido e anunciou friamente que havia um problema: o bebé era mongolóide.
Não deu mais explicações, só aquele rótulo definitivo tão duro, que de repente parecia envolver toda a nossa vida.
Chorámos – por ele, pois queríamos do fundo do nosso coração que o bebé tivesse sido normal, e também por nós, porque tivemos medo de não sermos capazes de vencer esse desafio assustador que de repente nos era colocado.
Entrámos de repente noutro mundo: no mundo das pessoas a quem estas coisas acontecem e ao qual até então era impensável pertencermos.
Depois trouxeram o bebé – peguei-lhe ao colo e adorei-o assim que vi aqueles olhinhos de chinês e o corpinho pequenino e mole que se enroscava tão bem nos nossos braços – Afinal sempre era o nosso filho e não aquele ser esquisito e irremediavelmente diferente que nos tinham anunciado.
A nossa família em peso apareceu, os nossos amigos vieram visitar-nos, um raminho de violetas, uns miminhos, e muito amor.
Era impossível resistir. Sem dar por isso foi ele que nos fez sair desse buraco tão fundo.
Decidimos lutar por aquele bebé diferente, que era o nosso. Não podíamos cruzar os braços com pena de nós próprios e daquele ser tão frágil que precisava da nossa ajuda – As nossas prioridades alteraram-se radicalmente. De certa forma o Henri tornou-se um grande projecto de vida.
Grande parte da nossa angústia de pais partiu do facto de não sabermos muito bem o que era a doença ... Tínhamos de aprender o mínimo para poder ajudá-lo.
A ignorância pode neste caso ter efeitos devastadores.
Procurámos saber o que era isso de Trissomia 21, Síndroma de Down, o tal cromossoma 21, corremos para as livrarias à procura de informação mas tudo era muito antiquado, ou tão denso que era impossível compreender fosse o que fosse.
Encontrei então uma amiga minha que voltava dos Estados Unidos onde trabalhara com pessoas com Trissomia 21 e me disse que tinha absolutamente que ler o livro Bébes com Síndrome de Down – uma obra de referência conhecidíssima nos Estados Unidos.
Nesses primeiros tempos, em que desfeitos procuramos saber mais sobre a doença em si, “Bebés com Síndroma de Down” este livro tão bonito e tão humano, mudou muito a nossa visão das coisas. Lemos os comentários de outros pais no fim de cada capítulo, os seus altos e baixos, e fomos percebendo que podíamos fazer muito para ajudar os nossos filhos. Outros haviam já passado por esses mesmos momentos de angústia e também de alegria, que afinal fazem parte da vida de todos os pais.
Escrito por uma equipa de médicos, terapeutas, pais, advogados e educadores, “Bebés com Síndroma de Down” explica todo aquilo que se deve saber sobre Síndroma de Down ou Trissomia 21, falando não só dos bebés, como dos primeiros anos de vida que são fundamentais para o desenvolvimento futuro da criança.
Com uma incidência de 1 em cada 750 nascimentos, a Trissomia 21 é uma das principais causas dos problemas de atraso de desenvolvimento psicomotor.
Contrariamente ao que se diz, não existem “graus” – a criança pode é ter ou não outras patologias associadas que constituem só por si travões ao desenvolvimento que qualquer criança.
Hoje em dia muitos desses problemas podem ser resolvidos com ajuda médica e terapêutica, e desde que devidamente acompanhadas desde o início estas crianças atingem metas que seriam impensáveis até há bem pouco tempo conseguindo aproximar-se muito dos padrões normais de comportamento.
Para além dessa abordagem médica, muito clara e acessível, o livro considera também as envolventes afectivas: os irmãos, o impacto na vida familiar e no próprio casal, algumas indicações relativas aos direitos e obrigações legais específicas das pessoas com deficiência, que procurámos adaptar ao quadro português, bem como um guia de moradas úteis apresentado no fim do livro que poupará muito tempo às pessoas que muitas vezes não sabem a quem recorrer.
O facto de termos filhos diferentes faz de nós pais com expectativas e prioridades também diferentes. Podemos por exemplo passar meses a tentar que o bebé perceba que se puxar o cordelinho da caixa de música ela vai tocar... quando pela primeira vez o nosso filho conseguiu essa proeza depois de quase dois meses de treino, saltámos da cama a meio da noite e ficámos a olhar para ele tão contentes como se tivesse acontecido um milagre!
Mais que ninguém não devemos ser os primeiros a estabelecer limites, sem termos primeiro tentado tudo, sem primeiro lhe darmos oportunidades de mostrar o que valem.
É resistir à tentação de não os tratarmos como às outras crianças, de não os educarmos como aos outros, não os protegermos de tudo, não decidirmos tudo em vez deles, porque temos medo, estamos cansados ou porque às vezes já não acreditamos.
Todas estas crianças estão hoje em dia integradas nas creches e no sistema regular de ensino – o que até há bem pouco tempo era impensável. Existe um abismo entre a criança institucionalizada que acaba por se assumir e comportar como deficiente, e aquela que tem a grande sorte de estar num ambiente completamente normal, que só por si é o melhor de todos os estímulos. É muito mais aquilo que as aproxima das outras crianças do que o que as afasta.
Talvez um dia um dos vossos filhos chegue a casa e vos diga que há um menino “diferente” na escola – a nossa reacção de adultos é fundamental para a sua aceitação.
A deficiência mental assusta, as pessoas precipitam-se para ajudar um cego a atravessar a rua, mas desviam o olhar quando vêm uma pessoa com este tipo de problema. O estigma físico que acompanha a Trissomia 21 deve ser explicado. Esse olhar dos outros dói muito – eles próprios sentem e ficam tristes.
As crianças com Síndroma de Down são acima de tudo crianças como as outras, têm uma cara um bocadinho diferente, um cromossoma a mais, mas também riem, brincam, têm os seus amigos.
Aceitar a diferença, é também sabermos dar valor às coisas boas da vida, dar valor a essa coisa mágica que são as crianças sem problemas pois se calhar nunca pensámos como é fácil quando um bebé aprende a segurar a cabeça sozinho ou mais tarde se senta sem ajuda ... aprende a encaixar os legos, ou depois consegue escrever e segurar um lápis, tudo isto sem ser preciso um treino especial de meses para vencer cada etapa...
A nossa família nunca seria a mesma sem o nosso filho ... talvez ele não seja doutor, talvez nunca consiga escrever uma palavra sem ocupar metade da página ou tomar banho sem primeiro queimar um pé, mas ensinou aos que o rodeiam que ser diferente não é o fim do mundo, o que interessa é ser amigo, e tentar ajudar os outros, porque a seu ritmo também eles vão conseguir.
O que mais valor têm na nossa vida são as coisas pelas quais lutamos.
Afinal de contas costuma-se dizer que quando Deus fecha uma porta abre sempre uma janela – e a vida deles também tem uma saída!
4 comentários:
Que testemunho tão bom e tão saudável!
Estou cada vez mais convencida que as famílias com um cromossoma a mais acabam sempre por descobrir que esse cromossoma lhes traz energia extra para criar novas dinâmicas de funcionamento.
E que o amor e o humor são factores que em conjunto conseguem fazer milagres.
Bem hajam!
Olá Carmo
Gostei imenso do teu texto.
Um dia li um artigo , onde uma menina com trissomia 21 dizia.
sou mais rica que voces e sabem porque?
Porque eu tenho 3 cromossomas, e voces só têm dois.Achei uma delicia
Beijinhos
Joao Rebelo de Andrade
Porque a sociedade está muito mal informada e achei o vosso blog lindo... lindo, porque me pediram para o divulgar e há causas em que acredito, porque acredito plenamente na frase: nós somos todos iguais - pena que uns são mais iguais que outros, decidi colocar um link directo para o vosso blog no meu e pedir divulgação a todos os leitores - continuação de magnifico trabalho. Parabens. Um beijinho - cristina
Querida Carmo,
quem conhece o Henri sabe que voc�s conseguiram superar muitos obst�culos. Quem me dera saber que um dia l� chegarei com a minha filha.
Umgrande beijinho,
Marcelina
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