sábado, 10 de maio de 2008

Os olhos azuis da minha irmã

Gostavamos de partilhar convosco este texto escrito por um irmão, aquando da discussão da legalização do aborto, há cerca de dois anos.

Os Olhos Azuis da minha irmã
de Jaime Bilbao, irmão de Mónica (T21)

No último Prós e Contras, a eurodeputada Edite Estrela considerou que o aborto poderia ser legítimo, caso a mãe descobrisse que a criança era portadora de trissomia 21.
Eu tenho uma irmã com olhos azuis. Chama-se Mónica, tem 22 anos e tirou o curso profissional de Serviços Básicos de Hospitalidade.
Trabalha hoje numa pastelaria de Lisboa. Os olhos dela são lindos e ela é educada, feminina, anda sempre perfumada... A Mónica é a minha irmã e irmã de mais três. Gostamos muito dela e ela é muito feliz. Dá unidade à família, está atenta sempre a todos e a cada um.
A sra. eurodeputada não tem os olhos azuis mas tem uns olhos tão bonitos como os da Mónica. Tem os talentos e as virtudes de avó e de mãe. E tem dificuldades; certamente também chora e se alegra, é mais uma das pessoas deste nosso planeta que acorda todas as manhãs e lava os dentes.
De certeza que já viu um pobre na rua e lhe estendeu a mão direita (a esquerda) ou as duas, ou olhou para uma prostituta e sentiu pena. De certeza que já ajudou alguém em apuros.
Gostávamos que viesse a nossa casa, provasse os muffins que a Mónica faz e visse o gosto com que ela põe a mesa. E descobrisse que esta menina de olhos azuis tem... trissomia 21.
E ficaria bem contente por ela ter nascido. Tal como nós. Tal como qualquer pessoa.

1 comentário:

Francisca Prieto disse...

Sou especialmente sensível ao tema do Diagnóstico Pré Natal.
Deixo-vos o texto de uma carta que escrevi para o DN, a propósito de uma abordagem um bocadinho leviana que fizeram sobre o tema.

“Casos de Trissomia evitáveis nos fetos de jovens grávidas”

DN de 15 de Outubro de 2007 – página 11

Exmos Senhores do DN,

Errado. Profundamente errado. Não só pelo que textual e literalmente está escrito, mas também pela opinião subliminar que deixa transparecer.

Infelizmente ainda não foi descoberta a causa da Trissomia 21, muito menos forma de a evitar.
Infelizmente os rastreios, ecografias, amniocenteses e afins limitam-se a diagnosticar e a tornar conhecido o inevitável – que o feto tem Trissomia 21.

Não costumo mandar cartas para os media a contestar, nem escrever em livros de reclamações, refilo pouco na fila do supermercado, não sou sindicalista, não sou fundamentalista nem beata. Sou apenas mãe. Mãe de uma filha com Trissomia 21 que teve diagnóstico pré natal.

Mãe de uma filha que já era filha quando chegou o resultado da amniocentese.
E curiosamente tive de passar pela tortura de explicar inúmeras vezes, inclusive a clínicos que me seguiram, quase em tom de desculpa, porque é que ia ter esta filha, porque é que não optava por interromper a gravidez.

Os exames de diagnóstico pré natal são importantes e devem ser feitos, mas é errado pressupor que um resultado positivo é sinónimo de “criança a evitar”.

Nunca me arrependi de não ter interrompido a minha gravidez. Muito pelo contrário.
E, com todo o respeito que tenho por grávidas que por razões diversas tenham tomado uma opção diferente da minha, tenho pena que o tenham feito. Que tenham desistido dos seus filhos à primeira contrariedade e sem lhes darem qualquer hipótese.

Assusta-me que os clínicos aconselhem e pressionem as mães a não terem estes bebés. Devem informá-las sobre as possíveis implicações, mas inibirem-se de emitir opiniões.

Assusta-me que os media (e esta não é a primeira vez que vejo um texto deste tipo) apresentem o aborto como consequência inevitável de um resultado positivo.

Numa consulta pré natal que fiz com o meu marido no Centro de Desenvolvimento Infantil DIFERENÇAS, ouvi palavras sábias do Dr. Miguel Palha que nunca mais esqueci - "Ainda bem que foram para a frente com esta gravidez. Cada filho é único e irrepetível".

E este "único e irrepetível" é uma música que baila na minha cabeça na nossa vida quotidiana: sempre que falo com a Francisca e ela me devolve uma gargalhada, sempre que olho para ela a dormir e a acho igual ao seu irmão Manel na mesma idade, sempre que a vejo embrulhada com os manos numa qualquer brincadeira asneirenta e sempre que a aconchego nos meus braços para lhe garantir que a amo profundamente.

Tenho hoje, como já tinha antes dela nascer, a profunda certeza que não podíamos não ter tido esta filha "única e irrepetível".

Por favor, tenham cuidado com o que dizem. Afinal os senhores são líderes de opinião.